sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Ressonância Magnética

24 Junho 2005

Acabei de entrar no blog da Rita. Ela comentou aqui hoje, e eu fui lá dar uma olhada. Comentando no blog dela, uma idéia me passou:
Eu queria que inventassem uma ressonância magnética que mostrasse o cérebro - o meu pelo menos - da forma que ele funciona.
Não! eu não estou falando em ciência, não quero saber de neurônios e química, e ligações fantásticas entre o bem estar e a endorfina...nem nada que interesse a um neurologista.
Eu quero poder mostrar o que eu sinto!
A Rita diz que algumas coisas ficam registradas na lembrança, outras são impossíveis de lembrar porque o tempo apaga...e que ela registra o que pensa e o que sente, enquanto o tempo permitir que ela escreva.
Nossa...é exatamente esse o jeito de guardar o tempo!
Minha paixão junta duas coisas: escrever e fotografar.
É um jeito de registrar o que eu vejo e o que eu sinto/penso.
Mas nem tudo o que vejo posso registrar. Se a super-ressonância-mega-plus-de-mercedes fosse criada, eu poderia guardar, dividir, mostrar, sem interpretações errôneas, o que vejo e o que sinto. As coisas pequenas que não interessam à ciência, mas que eu não quero esquecer.

Poderia mostrar porque gosto quando estou dirigindo na Marginal Pinheiros no fim da tarde em direção à minha casa e o céu está vermelho, verde, azul, e o sol é uma bola enorme que ocupa 3 pistas da Castelo e me tira o fôlego. E como é olhar para as núvens com meus óculos escuros quando o som do carro está alto tocando Shiver do Coldplay.

Ficaria registrado o olhar:
O olhar do Pedro que é distante e profundo. O Olhar do Du Lobo quando me dá oi. O olhar da Natasha quando morre de rir com as coisas que eu digo. O olhar do gato preto que ronda a minha casa me pedindo pra entrar. O olhar do Diogo quando vem me abraçar. O olhar do menino bonito pra câmera na internet. O olhar do Claudio quando me acordou pra contar que entrou no short list em Cannes. O olhar da menina que vende bala no sinal quando eu brinco com ela. O olhar da caixa da padaria quando me vê, porque eu digo que ela está mais bonita. O olhar daquela pessoa que ficou pra trás e que sabia me olhar como nunca mais ninguém me olhou. Os olhos molhados de até nunca mais....Ficaria guardado o que eu sinto quando alguém que eu gosto me olha nos olhos e sorri.
A sensação de uma coca light gelada. O gosto do meu suor depois da corrida. O prazer da água. O prazer de me ouvir quando eu canto no banheiro. Eu poderia explicar o cheiro de Los Angeles. O gosto que eu sinto na boca quando abro a porta do meu quarto para o jardim de manhã e piso na grama. E como é colocar a minha família na cama de noite, um por um, do marido aos gatos. E o que sinto quando passo pela gaiola da Meg (minha calopsita) e ela abaixa a cabeça pra ganhar carinho.

Todo mundo saberia o que eu sinto sem ter que me perguntar. E ao saber, seria tão claro que não restaria dúvidas.
Eu poderia mostrar o que se passa dentro de mim quando me apaixono, quando me entristeço, quando me sinto de fora, quando me entrego demais, quando fico triste....e nunca mais ficaria triste porque as pessoas saberiam o que me entristece.
Eu mostraria por fim como eu sou e talvez, finalmente, eu pudesse ser ouvida em claro e bom som. Ninguém se enganaria comigo, ninguém me enganaria, ninguém interpretaria errado uma palavra minha...Aliás...eu não teria que explicar mais nada, logo não assustaria com as minhas explicações.
Talvez, se inventassem a minha ressonância dos sonhos, eu escrevesse mais.
Porque seria fácil dizer "eu choro falando sobre a infância quando a família se reúne", porque a fatia cerebral desse momento já teria sido vista e todo mundo saberia que esse é um momento feliz.
Talvez eu não esquecesse as sensações menores, mais corriqueiras, mais prazeirosas. Aquelas sobre as quais eu não escrevo...que não são fotografáveis.
Enquanto isso, vou fotografando e escrevendo...e rezando para que o meu cérebro seja poupado, seja conservado, que não deixe escapar as coisas que eu amo. Que não caia no vazio. Que não apague a única coisa que vale a pena guardar: As minhas sensações.

Regras para o meu velório

14 Julho 2005Hoje um amigo me contou que escreveu seu testamento.
Ontem outro amigo me contou que escreve cartas suicidas.
Anteontem minha sogra me lembrou que quer ser velada com o caixão fechado e a tarefa de não deixar ninguém esquecer é minha.
Com tantas futuras mortes à espreita, lembrei que tenho que organizar meu funeral antes que ele chegue.
Meu deus! Que difícil organizar uma festa na qual, apesar de personagem principal, você não passa de um coadjuvante! Mesmo deixando a lista de convidados e as regras da casa, pode ser que todos descumpram tudo e você queira levantar do seu posto para interferir.

Que tal se eu tenho uma pessoa super secreta com quem eu tenho um pacto funerário (?) e não deixam a pessoa entrar na festinha?
Que tal se tem alguém que me fez muito mal, me deixou muito triste e eu a proíbo de chegar a menos de dois metros do meu caixão, e além de estar a dois dedos do meu rosto, ainda derrama lágrimas sobre os meus olhos? Juro que eu cuspo essas lágrimas de volta!

Vou tentar então descrever o perfect funeral para não haver erros na hora do show.
There you go!

1. Figurino

É lei! É imexível!
Passei a vida vestida de preto. Então é obrigatório que eu esteja de preto.
Se eu engordei, cubram meus quadris e pernas com flores brancas ou vermelhas. Por favor, rosas! Não me venham com flor do campo e crisântemos que eu detesto! Não é um casamento nos anos 80!
Também não é desfile de escola de samba: Claro que vai aparecer uma tia ou uma palpiteira de plantão pra dizer: "Mas ela está tão apagadinha...Vamos colocar uma roupa mais alegrinha."
É lógico que eu estou apagadinha! Estou MORTA!!!
O batom é cor de boca, nada nos olhos, rimmel e só. Não ao blush em defunto! É patético. Defunto não fica corado! O cabelo é preso, para trás. A roupa é preta. To morta, mas não sou fraca. Nunca fui. É Jackie O, é Grace Kelly. Não me venha com menos.

Não sintam-se mal por entregar para a terra comer uma roupa da G, um brinco bonito, uma camisa Dior. Mas não me mostrem para ninguém se eu estiver meia boca.
E nem sonhar com uma blusa azul clarinha!

2. Sonoplastia

Por favor, chorem baixo. Don't be loud!!
Retirem discretamente do recinto pessoas que choram alto e dizem frases de efeito durante o choro. Nada de escândalos, eu já não escuto mais! E por favor, óculos escuros é tudo nessa hora.

Não quero homenagens cantadas. É triste e patético.
Não existe uma música que combine com a minha morte. Se existir eu aviso. Não quero que cantem nada que eu não gosto só porque está na moda, saiu na Globo, uma tia acha lindo, ou o Daniel regravou (aff!).
NÃO para AMIGOS PARA SEMPRE!
NÃO para AMIGO É COISA PRA SE GUARDAR...Ai que horror!
NÃO para EU SEI QUE VOU TE AMAR (não quero que ninguém me ame por toda a vida se eu já não estou aí para corresponder).
E se alguém se empolgar numa homenagem musical, que seja na versão original, em som mecânico. E dancem!
Deixem um som ambiente, com músicas que eu gosto. Não permitam um silêncio mortal para as pessoas que ainda estão vivas. É cruel.

3. Direção de arte

Se chover, guarda-chuvas pretos. WOW!
Se não chover, não levem três horas andando e carregando caixão. Meus amigos já vão estar velhinhos e não merecem essa caminhada no sol.
Velas. Sim velas, nunca aquelas lâmpadas em formato de vela que as capelas fornecem.
Flores brancas ou vermelhas. Acho que as vermelhas têm mais a cara da vida que eu vivi. Se me mandarem coroas, tentem que as fitas não sejam da cor roxo-hematoma. Ninguém merece! Podem ser vermelhas. Vai ficar com cara de Natal. Eu adoro Natal.

4. Catering

Por favor, respeito com as pessoas que vão ficar muito tempo nessa lenga lenga de velório. Elas vão estar nervosas, tristes e a cada meia hora vai chegar alguém que vai fazê-las chorar. Então, vale a pena contratar alguém que alimente as pessoas, ponha um pouco de glicose dentro delas para se acalmarem.
O café deve estar quente e de preferência não ser servido em copo descartável que é muito bagaceiro. Que pobreza!
Talvez um vinhozinho na madrugada (hm... nem quero que isso dure até a madrugada) para esquentar e animar. Piadas de velório são ótimas! Deixem essas pessoas descontraírem um pouco.

5. Os convidados

É claro que não há lista de convidados, mas há cuidados a serem tomados quanto a eles.
Antes de qualquer coisa, não julgue. Talvez apareça alguém que todos juram que não merece pisar no mesmo solo que eu. Deixem-no entrar, me ver, falar baixinho, mexer em mim. Essa pessoa pode precisar pedir perdão. Pode me devolver alguma coisa. Pode precisar chorar algo que não chorou quando devia. Afastem-se e permitam que ele/a chore. Mesmo os maiores inimigos. Essa é uma hora de tentar resgatar alguma coisa.

Amigos que ninguém nunca viu: Sim eu os tenho. Muitos. Vários. Não olhem feio pra eles. Vai aparecer a caixa da padaria, a vendedora da lojinha, o motorista do táxi, a diarista, o manobrista, pessoas com quem eu passei a vida sendo simpática e gostam de mim por gostar.

PUBLICITÁRIO EM CURITIBA: Sim...Esses são os mais complicados.
Por exemplo, o meu amigo que escreveu o testamento me disse que vai me passar a mão. HA! SAFADO! Disse que dali para frente, só a terra vai comer mesmo...Ha! Pode acontecer!
Pode acontecer de loucos me beijarem. Pode acontecer!
São os necrófilos do bem. Os que vão querer realizar na minha morte o que não conseguiram em vida. E que engraçado vai ser!
Acho meio complicado. Isso pode irritar algumas pessoas. Então aconselho a contratar alguém para ficar na porta pedindo os dados dos convidados. Nome, RG e profissão.
Se for criador e atendimento de agência de propaganda nascido antes de 1980, cuidado: BEIJADOR DE DEFUNTO ALERT!

6. Discurso

Vamos evitar esse constrangimento...
Não quero discurso feito por algum amigo do amigo que fala bem. Nem por alguém que vá sofrer e chorar na hora de falar. Eu sou cara de pau e vaidosa o bastante para escrever meu próprio discurso fúnebre e deixar para alguém ler.
Também não quero um padre recitando a mesma coisa que diz em todos as missas de corpo presente. Nem quero um padre, nem uma cerimônia religiosa de qualquer tipo. Eu não tenho religião e isso nunca foi segredo. Prefiro que todos rezem juntos o Pai Nosso que é a minha única oração.
E fim.
Eu já vou estar mais do que encaminhada nessa hora.

7. Restos mortais

Por natureza são chamados restos. Ninguém quer ficar com restos. Nem a terra merece. Então, minhas cinzas não devem ser guardadas. Quero que sejam jogadas no Malibu Canyon, sentido sul, na primeira curva onde o Pacífico aparece, em algum penhasco. O lugar onde minha cabeça aprendeu a voar mais longe, meus olhos aprenderam a ver o invisível.

8. Reencontro

O velório de alguém é sempre um lugar de reencontros surpreendentes. Aproveitem.
Se não há o que festejar porque eu morri, festejem os reencontros: saiam para jantar juntos (ninguém merece ficar a noite inteira num velório), bebam por mim, falem bobagem, riam bastante, contem as minhas histórias.
Conversem com pessoas que vocês não sabem quem são e tentem descobrir em que momento elas entraram na minha vida. Um velório tem que ser produtivo em algum momento.
Eu não quero hipocrisia! Ninguém fica triste o tempo inteiro, por isso não é feio rir no velório, nem falar alto. O morto já morreu. Não vai acordar! Pelo menos não eu.


Acho que as regras básicas estão aí.
Espero que vocês ajudem a cumpri-las, porque eu não vou mais poder dar essa mãozinha.

Um beijo amigo no seu umbigo.

Texto complicado. Ou suicídio.

21 Julho 2005

Ou essa mulher não tem juízo!

Talvez nesse texto eu esteja comentendo o maior dos atos insanos da minha vida. Será? Não....são tantos os atos insanos da minha vida! Lá vai.
Passeando pelo Orkut, dei de cara com meu ex-marido.
O segundo. Pessoa com quem tive um acidente de percurso. Um desvio causado sei lá pelo que...fiquei casada por 1 ano e meio, tudo acabou muito absurdamente mal, como todo equívoco, e não nos vemos ou nos falamos há 15 anos, mais ou menos. wow! Por 10 anos moramos na mesma cidade, trabalhamos no mesmo mercado e não nos cruzamos nem sem querer.
Como acontece isso? Dizem por aí a boca pequena que nada acontece por acaso. Hello? Porque alguém entraria na vida de alguém para ficar 2 anos no total, desviar todo o curso das coisas e depois desaparecer for ever and ever?
De qualquer maneira, não é sobre isso que eu quero falar. É sobre reações. Eu entrei lá no profile dele, vi as fotos, passei os amigos em revista. Nossa! Que coisa tão distante! Quem se tornou essa pessoa? Ou será a mesma e fui eu quem mudou? Lembro de muito pouca coisa. Lembro da mãe dele com muito carinho. Do pai dele que faleceu "durante a minha gestão" e que eu amava muito e em quem ainda hoje me pego pensando e sorrindo. Lembro de algumas poucas boas coisas e deletei quase todo o resto. Espero que meu filho tenha deletado também, porque lembro que não foi uma boa fase pra ele.
Minhas mudanças foram tão radicais que me tornei atiradora! Hahahhaa! Tá aí uma coisa que não combina comigo.
Daí voltei para o meu profile imaginando como ele abriria o meu álbum. Como veria as minhas fotos, veria que o Diogo é um homem já, e lindo, que o tempo passou e eu envelheci. O que acharia do meu profile? Será que chamaria a mãe para ver? Será que passaria batido? Será que morreria de saudade ou de ódio ou do que? Simplesmente acharia estranho me encontrar assim, escancarada num site?
Isso me fez viajar longe e pensar em outras pessoas. Como será ser deixado por alguém que se ama? (se bem que eu acho que ele não me amava) Essa é uma experiência que eu não tenho. Algumas rejeições de paixõezinhas só. Não sei se eu tenho um mecanismo de defesa muito forte...talvez...mas não. Sempre que um relacionamento importante acabou, fui eu quem foi embora. E essa não é não a situação mais confortável. Sair como a bruxa malvada não é interessante. Ser o vilão da história traz sequelas graves. Mas eu não conheço a dor do abandono.
Conheço a dor da traição e a de ser trocada, mas nos dois casos eu fiquei. Muito triste e machucada mas fiquei e fui buscar no tapa o que eu queria, e venci. Mas isso é outra historinha que um dia eu conto. Num livro. Depois que eu morrer. E o mundo vai saber direito o que é essa coisa incômoda chamada AMOR INCONDICIONAL. Mas isso é outra historinha, meus amiguinhos...
Então pensei em todos os relacionamentos que acabaram e como eu não olhei pra trás. Há poucos meses reencontrei aquela que quase foi minha enteada. E falamos tanto! E ela me contou o que sentiu com a minha saída da vida dela. E me chama hoje, aos 24 anos, de Step Mother, por que pra ela sempre fui eu a pessoa que deveria estar lá. Ai! Adoooro, mas penso hoje no que deve ter sido ruim pra ela, aos 7 anos, eu estar lá um dia e não estar mais no outro.
E fui passando tudo a limpo e vendo que muita gente passou pela minha vida assim.
Com esse meu ímpeto de mergulhar nos amores e paixões, eu alterei vidas, criei dependências e interdependências, e fui-me embora como cheguei. Eu me lembro de ter como único desejo, poder um dia amar mais do que era amada. E meu desejo foi atendido...e só eu sei como eu sofri. Minha vida foi alterada e virada de pernas para o ar, e havia então nascido o homem que vingaria todos os outros.
E com que competência ele vingou seus companheiros...
Mas não por muito tempo. Fui buscar forças nas profundezas de algum lugar sombrio para sair daquele buraco negro, vício, doença, e consegui me libertar. E penso nele também, criador e prisioneiro deste túnel escuro, entrando no meu profile e me encontrando feliz. Não deve ser gostoso. Não deve ser nada bom.
Então...em tempos de internet, a vida é mais complicada. Antigamente conseguíamos nos libertar de um amor sofrido com abstinência. Hoje, não há abstinência. O Orkut vai esfregar na sua cara, mais cedo ou mais tarde uma namorada nova, um casamento, uma notícia que você não devia ouvir. Outro dia, uma amiga minha sofria ao saber que o cara que ela gosta vai ter um filho com outra. E recebeu a notícia lendo um scrap que nem era pra ela. Que dor! Que dor!
A gente expõe a felicidade de forma quase agressiva esquecendo que pode estar causando uma dor imensa àqueles que foram deixados para trás.
Não me parece um texto suicida. A não ser pelo fato de eu querer meio que pedir perdão! Nenhum deles vai ler que eu sei. Mas mesmo assim, podem vir a saber. Eu não vou me justificar e nem tenho justificativa. Mas aqui do alto da maturidade, eu sei dizer quem sou. E sou bem intencionada! Se eu disse "eu te amo" estava sentindo isso muito profundamente. Eu só não tinha, e não tenho, controle sobre o mecanismo que me faz, com uma decepção qualquer, deixar de admirar uma pessoa. E amor e admiração para mim são inseparáveis. A admiração é o tijolo mágico, que ao ser tirado, derruba um monumento. Então...não foi por mal. Foi por não conseguir mesmo. Eu sou incompetente na reconstrução de monumentos. Daí faço tudo pra não ver que meu amor está caindo, que os tijolos estão espalhados, que tem caliça pela casa toda...e de repente esta casa não é mais habitável. And I'm gone...
Hoje foi o dia de escavar a tumba dos meus amores soterrados pela areia do tempo. Mesmo nada disso sendo bonito, tem a frase de efeito do texto que pode salvar o dia!
"Amar profundamente é a maior das verdades passageiras". Meu amor sempre foi profundo. Meus príncipes sempre foram encantados. Minhas relações sempre foram sonhadas como um conto de fadas....e nossa! como vivemos meus contos de fadas de forma plena e absoluta.
Por alguma armadilha do destino, não pude escrever uma grande fábula, mas uma coleção delas, em volumes diversos, coloridos, ilustrados, escritos em letras douradas. Príncipes, fadas, castelos, casinhas na floresta, beijos encantados, textos impecáveis.
Uma bela obra para se deixar...Mercedes, Mercedes...

Olhar

02 Agosto 2006Quando o olhar através da lente descobre o olhar através da lente, é a alma que se enxerga dentro dos olhos.
Experiência rara. Experiência única.

Assim, sem nenhuma pretenção, foi que enxerguei os olhos dentro dos olhos de uma pessoa já tão querida. Numa tarde fria e sem promessas, sentada na mesa de um café, eu vi, através da lente da minha câmera, o que eu sei que só eu vi...pena que não seja possível aquela ressonância magnética...porque as palavras não me ajudam a explicar nada nesse momento. Talvez ajudassem se eu pudesse gritar!
Se eu fosse um pirata diria que às vezes um navio deixa o cais em busca de pessoas, e volta para casa com tesouros.

Enough said.
Bom dia!

Sequestro

6 Agosto 2006
Ela parou o carro e disse: Entra.
Ele entrou como se fosse normal ela aparecer na faculdade assim, sem ligar. Deu um beijo, ligou o som, perguntou se ela queria um halls.
Ela disse não e sorriu.
Ele: Aonde a gente vai?
Ela: Não sei...Acho que quero dirigir.
Ele: Porque você não me avisou que vinha? Eu podia ter saído mais cedo.
Ela: Podia...Pra não estar aqui quando eu chegar?
Ele: Nada a ver. Pra ficar mais tempo.
Ela: Mas temos tempo...Um monte.
Ele: Não muito. Tenho um aniversário que eu tenho que ir.
Ela aumentou o som num claríssimo sinal de que não queria conversar, acendeu um cigarro.
Ele: Não fuma....
Ela: desculpa. Hoje eu preciso.
E se foram: um desavisado e uma desvairada.
Ela sabia que o que estava fazendo estava pra lá de errado, mas dessa vez ela não ligava a mínima. Estava decidida a resolver essa história, já engasgada na garganta a tempo demais.
Enquanto a música toca alta e ele mexe nos 55 CDs no porta-luvas, ela o vê ao seu lado, menino distraído... Ele nem percebe seus pensamentos, não enxerga o que ela sente, não entende o que ela pode sentir por um cara como ele. Na verdade é ela quem não entende...São diferenças demais! A experiência de vida dela contra a inocência dele. A cultura dela contra a simplicidade dos pensamentos dele. O coração dela já tão cheio de história contra o dele, papel em branco, pedindo para ser preenchido...Mas é como se já fosse parte dela, desde sempre. Ele diz que às vezes até queria...Ela fica triste porque ele não quer. Ela tenta fazer ciúmes...Ele diz que não sente. Ela só falta pedir: Hey! Diz que me adora! Diz que me odeia! Sente alguma coisa! ...Ele adora a presença dela, mas não entende...Ela não entende. Diz que consegue saber uma história lendo a primeira linha, mas não dessa vez. Só tem a impressão de que ambos estão perdendo algo muito bom e bonito. Mas não tem controle dos acontecimentos. Ou não tinha até agora.
Eles chegam a uma casa afastada da cidade, na beira de um lago. Descem do carro. "Quem mora aqui?" "Nós." Ele sorri e sobe os degraus da varanda, vira-se olhando para o lago, respira fundo, feliz. "Que lindo!".
Ela abre a porta, larga a bolsa, liga o som: "And so it is...just like you said it would be..."
Anda até a cozinha, pergunta se ele quer vinho. Claro que quer.
"Essa casa me lembra As Pontes de Madison. Você viu?" Não...Claro que ele não viu. A história de uma mãe de família que se apaixona por um fotógrafo, passa quatro dias com ele numa casa, mas não pode ir embora quando ele pede...E nunca esquece esse amor, até morrer.
O dia passa gostoso. Conversas fáceis ficando cada vez mais fáceis por conta do vinho, risadas deliciosas e a visão quase mágica daquele menino às vezes, aquele homem às vezes, a luz fraca do sol se pondo no lago, o brilho no olhar de admiração, de contemplação...
"Quer comer alguma coisa?" "Não...tenho que ir embora."
"Liga e avisa que você não vai. Diz que o carro do seu amigo quebrou, você vai esperar o guincho com ele, não tem como ir pra casa. E já que perdeu a festa, vai sair com ele, dormir na casa dele, só volta pra casa depois de amanhã".
Ele achou graça e foi pegando o casaco.
E o que veio a seguir foi complicado:
Ela, sem um sorriso sequer, mostrou a ele que estava dizendo a verdade: ele não podia ir pra casa. A chave do carro escondida desde a chegada, uma discussão terrível. Ele nervoso pede a chave, ela não dá, ele fala alto, abre a bolsa dela procurando a chave, ela com raiva, ele agressivo tentando não perder a cabeça, ela descontrolada começa a chorar, diz que não agüenta mais a rejeição dele, que não consegue entender, ele bate a porta e exige a chave, ela diz pra ele ir embora a pé, ele pega o celular e diz que vai ligar pra um táxi, ela pega a chave do carro embaixo da almofada e atira nele, ele diz que vai embora sem ela, ela parte pra cima dele pra pegar a chave, ele reage segurando os braços dela com força, ela para...Cena de novela...Os dois se olham, ela chorando, ele indignado, ela abaixa a cabeça no peito dele, ele a abraça, levanta o rosto dela, eles se beijam...Ufa! Finalmente!
E se beijam até ela parar de chorar, ele enxuga as lágrimas dela, ela pede desculpas, diz que não vai prendê-lo mais, ele diz que não quer ir embora, eles se beijam novamente...Já está escuro na sala, um silêncio celestial: nem um pássaro lá fora, a música acabou, só o som das bocas se beijando...Só o som das lágrimas secando, só o som das roupas esquecidas pela sala, só o som da respiração deles...Do coração dele sendo preenchido...Do coração dela escrevendo pra ele uma bela história.
Dois dias e meio.
Dois dias e meio numa casa na beira do lago.
Almoços e jantares feitos a quatro mãos, ou quase isso, café na cama...Filmes debaixo do cobertor, muito vinho, muito riso, muito beijo, muito sexo, dormir abraçado, acordar abraçando, dormir beijando.
O tempo passou sem ser notado. O relógio, assistindo a tudo, não foi capaz de revelar a hora. Ninguém lembra da chave do carro. Ninguém lembra de argumentos pra evitar tudo isso. Ninguém entende o que os fez evitar tanto tempo.
No caminho de volta para a cidade, lá vão eles: São agora uma menina e um homem. Os olhos molhados, as mãos coladas, o silêncio.
Ele liga o som: "And so it is...just like you said it would be...life goes easy on me...most of the time..."

And so it is.

A luz da varanda e o sol.

10 Agosto 2005Hoje foi mais um dia...
A CPI rolando, Marcos Valério, com aquela cara de minhoca que se perdeu, falou o dia inteiro; meu pai fez uma transfusão de sangue, a amiga da minha sobrinha teve um derrame aos 20 anos, meu amigo está com febre achando que é varicela, meu outro amigo está com dor de cabeça, eu fumei uma carteira de cigarro inteira, a filha de uma amiga foi rejeitada pelo seu amor na festa de 15 anos, achei um ex-namorado no Orkut e ele namora uma mulher feia.

O mundo funciona de forma estranha.
Enquanto eu tento sonhar e escrever uma história digna de ser reconhecida como a maior história de amor do terceiro milênio, a terra está se esfacelando, a água vai acabar na Europa em 30 anos, o Iraque está arrasado e a Angelina Jolie consegue fisgar o Brad Pitt e se muda com ele para a mansão dele em Los Angeles!

É muita gente...é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo...um caos!
É difícil manter o alto astral, o bom humor, o positivismo, o escapismo ou chamem o meu sorriso do que quiserem.
A essa altura eu não posso deixar meu sorriso morrer. Tem muita gente precisando dele!
Tenho que ver o mundo caindo e poder sorrir para o meu pai dizendo que vai ficar tudo bem. Tenho que dizer pra minha mãe que tudo vai melhorar. Tenho que ir na aula de patinação artística da minha filha e, mesmo vendo a dificuldade dela, sorrir e dizer YEAH!! Que linda! Tenho que ajudar meu filho a ser perseverante. Tenho que sorrir pro meu amigo amado e não deixar que ele pense em coisas que são ruins pra ele. Tenho que tranquilizar o mundo e mostrar as fadas madrinhas, as borboletas, as estrelas cadentes e o sol que vem vindo.
Pra isso eu também preciso do sol!
É como um vampiro que eu busco por aí meus raios de sol. Mordo um pescoço aqui, outro ali, aproveitando uma distração, um sorriso sem querer, e assim vou me enchendo de energia.
Vampira! Aproveitadora! Às vezes é preciso gente demais. São vítimas e mais vítimas...Mas às vezes a luz é tão forte que me cega!
Nas três últimas semanas tomei uma overdose de sol. Estou cega e recarregada. Uma luz gigantesca chegou de onde eu não esperava. Como mágica, uma lâmpada comum acesa ali no cantinho tornou-se a mais poderosa fonte de energia, inspiração e alegria que jamais tocou a minha alma. Claro a alma! Os vampiros comuns alimentam o corpo, mas esse não é o meu caso.

Eu procurei tanto por isso que cansei. Tenho até medo de dizer que encontrei. Mas isso é tão grande que se confunde, me embaralha, o lugar das coisas não é mais o lugar das coisas.
Se eu tivesse vinte e poucos anos talvez confundisse tudo e dissesse que encontrei o homem da minha vida. Mas de novo? Quantos homens cabem nessa vida? O homem da minha vida eu sei quem é! Se eu tivesse 15, seria o meu príncipe encantado. Se eu tivesse 70 diria que conheci alguém que se parece comigo aos 20. Se tivesse 30 ia fazer uma bagunça danada...enfiar os pés pelas mãos, transar com o homem errado, querer controlar a vida dele e perder o meu melhor amigo (mais tarde ia me dar conta e cortar os pulsos.)

E aos 43, mesmo tendo que fazer um esforço enorme para manter o foco na imagem certa, mesmo tendo esse coração desvairado débil mental, eu consigo ver as coisas de uma forma mais exata, embora complicada demais para explicar.
Eu não encontrei um príncipe encantado embora ele seja um. Não encontrei o homem da minha vida embora ele seja digno do título. Não encontrei um namorado embora a futura namorada dela vá, provavelmente, me odiar. Não encontrei um amante e nem posso casar com ele: Eu encontrei uma pessoa rara. Um unicórnio.
Unicórnios não têm título, não têm lugar definido, não têm posição a ocupar. Unicórnos reinam absolutos e trazem luz.
Não preciso ser vampira, porque não é preciso roubar de quem troca e doa. Não é preciso correr. Não é preciso pedir. Não é preciso nem querer... Só estar lá... Existir. Porque ele preenche todo um espaço que não existia. É maior do que o todo. Maior do que o tudo. É muito antigo. É como se tivesse sempre estado lá...Apenas se fez vizível.
...

I'm blessed.
Meu sorriso permanece iluminado.

Bom dia.

Bonnie and Clyde, Hank and Sarah...

15 Agosto 2005Ela parou o carro no estacionamento, pegou o celular, ligou:
Ela: Cadê você?
Ele: Cadê VOCÊ que não ta aqui?
Ela: to no estacionamento.
Ele: Qual?
Ela: ai...to no lugar errado?
Ele: Ta. Pêra que eu to indo aí.
E lá vem ele...camiseta vermelha de novo...tirando o cabelo do rosto...rindo. Entra no carro, diz o nome que ela odeia, mas ele pode.
Ela: Pra onde a gente vai?
Ele: Pra casa do lago.
Ela: Você conhece lá?
Ele: Profundamente. Já estive lá uma vez, num dia frio, tomando vinho.
Ela: não me lembro...
Ele: nem eu...
O carro anda sozinho. É sempre assim quando eles estão juntos. Parece que tudo anda sozinho, menos o tempo que pára.
Ela encosta o carro. "Porque você não dirige?" Ele assume o volante. Ela adora. Na verdade, por dentro eles tem a mesma idade sem ter, mas em algumas coisas ele parece mais velho. Ela se sente segura quando ele dirige, quando ele fala, quando ele decide. Não é comum para ela confiar em alguém. Sempre na frente, sempre a cabeça de tudo, sempre cuidando dos outros, nunca sendo cuidada.
Ele é mandão e atencioso. Ela acha graça de quando ele dá ordens. Mas as acata, porque adora. Ele pede atenção todo o tempo. Quer ser olhado nos olhos, quer os ouvidos todos, quer seus cuidados, e os tem.
Ele acende um cigarro. Ela sorri.
Ele: O que foi?
Ela: Odeio que fumem no meu carro.
Ele: Ah ta...
E continua fumando.
E porque não briga? Porque não reclama? Porque não tem um ataque e tira o cigarro dele?
Simples...Porque não precisa. O que existe ali faz com que qualquer capricho se reduza a nada. Porque reclamar do cigarro que é fruto do encontro dos dois? Ele nem fuma! Mas está com ela, e quando isso acontece eles ficam iguais. Ela nem bebe, mas quando está com ele acompanha cada gole, cada trago, de igual pra igual.
Chegam à casa na beira do lago.
A tarde está linda, o vento quente, o lago calmo. Ela entra, larga a bolsa no sofá, liga o som: "Clavo mi remo en el água...Llevo tu remo en el mío...Creo que he visto una luz al otro lado del rio."
"Quer vinho?" Claro que quer! Eles sempre querem beber e falar e fumar e falar mais. O que seria se tivesse mais gente ali? Os dois falariam um com o outro como se ninguém estivesse ouvindo. Não existe mais ninguém. Nunca.
As garrafas se esvaem em palavras e as palavras são o que os dois têm de mais forte e sólido. Olhares e palavras. E desafiam um ao outro todo o tempo. Divertem-se com coisas que seriam um tédio para qualquer um. São jogos idiotas que sempre acabam em textos que fazem rir aos dois, que amam as palavras mais do que ao sol lá fora.
Se conhecem tão profundamente que dizem as mesmas coisas, ao mesmo tempo, riem de tudo antes de dizer, gostam do que ouvem, amam o que pensam porque disso é feita a vida que criaram. Particular. Única.
Partners in crime: Bonnie and Clyde, Hank and Sarah, Jean Paul e Simone. Dupla perfeita, the fab two.
E como seria perfeito se fosse de outro jeito...Bonnie e Clyde, Hank e Sarah, Jean Paul e Simone dividiam a cama, a mesa, o banheiro. Esta dupla divide as letras, e eventualmente a casa do lago, num sonho alucinado de um deles, quando consegue dormir.
Ele: O que eu faço com a chave do carro?
Ela solta uma gargalhada e não responde...
Ela sente saudade do que não há. Rainha do impossível...Rainha das palavras vagas. Ele anseia pela vida plena de amores, garrafas e histórias. Rei das palavras certeiras.
Vista de fora, a casa do lago é cheia de vida: Cabeças passando pela janela, gestos largos, gargalhadas. A luz fraca das velas projeta sombras nas paredes. A música alta, as janelas abertas, a cozinha acesa...
Aos poucos, grilos e sapos se fazem ouvir. As janelas se fecham, as vozes desaparecem...Quem há de saber onde foram guardadas as palavras? Não eu.
A casa do lago abriga esta noite uma história forte, viva, rica, repleta de alegria, olhares e sorrisos. Mas suas páginas são ainda um mistério.
Bonnie and Clyde, Hank and Sarah, Jean Paul e Simone...dormem.

Bom dia, flores do meu dia...

"Perdoe Senhor, eles não sabem o que fazem!"

18 Agosto 2005
O TPM resolveu entrevistar Mercedes Gameiro no assunto mais complicado da sua existência. Aquele que ela cala...aquele que ela pensa sozinha, indignada, mas não consegue entender.

Antes de mais nada, gostaria que todos entendessem que:
1. Ela jamais prometeu ser normal
2. Ela pensa demais, e isso não faz bem.
3. O que ela pensa é só dela e não deve ser julgado. Até porque ela não vai mudar seus pensamento.
4. Ela tenta ser legal.

TPM: Mercedes, você tem um problema sério guardado aí dentro que hoje está querendo explodir. Pode nos dizer o que é?
Mercedes: A Faixa de Gaza.
TPM: Você é judia?
Mercedes: Não. Meus pais são católicos.
TPM: É descendente de Palestinos então?
Mercedes: Nada. Não existe palestino com essa pele branca de polaco da nhãnha que eu tenho.
TPM: Qual é o problema então? Ou...O que você tem com isso?
Mercedes: Nunca aceitei essa coisa de terra prometida.
TPM: Por que?
Mercedes: Você já leu a Bíblia?
TPM: Mais o menos. Mas antes me fala: você acredita em Deus?
Mercedes: Há divergências.
TPM: Como assim?
Mercedes: Eu rezo. Eu creio em alguma coisa. Acho que as palavras têm poder. O que pode responder essa sua pergunta é a minha outra pergunta: você já leu a Bíblia?
TPM: mas isso não é uma resposta.
Mercedes: Mas foi pra mim.
Quando a guerra do golfo estourou, eu resolvi ler o apocalipse e fiquei chocada com as imagens descritas ali. Não as imagens depois de interpretadas por algum maluco. Mas as imagens que um pescador viu e descreveu, dentro do conhecimento que tinha, há 2.000 anos. Então resolvi ler o livrinho desde o início. Desde o Gênesis, e foi aí que choquei de uma vez.
TPM: porque?
Mercedes: Porque o livro é muito claro. Não há milhões de maneiras de interpretá-lo: Alguém chegou na terra, onde já existiam Deuses que também vinham do céu, pegou o povo que estava mais oprimido e oprimiu mais. Dizendo que ia salvá-los, prometeu uma terra para viverem. Enrolou os coitados por 40 anos no deserto, exigindo oferendas, comida e alguns de seus melhores bezerros, matando-os aos milhares por desobediência ou qualquer tentativa de revolta. E quando pressionado desocupou parte da Palestina e deu a eles de presente.
TPM: Como assim?
Mercedes: Está lá. Ele avisou a Moisés (o primeiro diplomata da história do mundo) que aquela terra era ocupada por um povo forte, quase gigante. Que não tentassem entrar lá na sua ausência. Deu uma viajadinha, e o povo resolveu fazer-lhe uma surpresa: invadiu! Tomaram um pau astronômico! Quando Deus voltou, deu uma bronca em Moisés, bombardeou parte do acampamento com SERPENTES DE FOGO (aff! Pequenos mísseis?), depois a Glória de Deus (BAITA AVIÃO) levantou vôo, foi lá na Palestina, dizimou o povo belicoso que lá vivia, e dirigiu os Hebreus até a Terra Prometida.
Ou seja: prometeu uma terra que tinha dono! Matou todo mundo que morava lá e entregou aos Judeus, que não têm a menor culpa nisso tudo!
TPM: Isto está escrito lá?
Mercedes: De uma forma mais prosaica. Mas está.
TPM: E a sua revolta qual é?
Mercedes: A falta de responsabilidade dessa criatura. São milênios de guerras e brigas. Os Palestinos querem o que é deles. Os Judeus querem uma terra pra viver. Isso foi meio resolvido com o Estado de Israel. Mas os Judeus da Faixa de Gaza não entendem porque devem deixar a terra que foi dada a eles por Deus! E é mais do que hora de entregar.
Então ninguém tem culpa nessa história. O cara que provocou tudo isso levantou vôo em seguida e nunca mais apareceu. Os Hebreus continuam esperando que a Nova Jerusalém desça do céu para que esse Deus reine na terra e devolva o que é deles. Mas isso não vai acontecer sem guerra e mortes, nem se Deus voltar.
Mas ele saiu pra dar uma voltinha e não voltou até hoje!
TPM: Meu Deus!
Mercedes: Esse deus?
TPM: Então você não acredita nesse Deus?
Mercedes: Nesse não!
TPM: E tem outro?
Mercedes: Talvez. Acho que a história do mundo foi modificada pelos homens. Acho que não é necessário que exista um Deus para explicar o que a gente não entende. Acho isso primitivo. Os primitivos acreditavam num deus sol, deusa lua, deus do fogo, deus de tudo o que não podiam entender. Estamos em 2005, a ciência explica quase tudo, menos a necessidade do misticismo. A natureza é poderosa e o cérebro humano também. Anos mais tarde veio outra pessoa aqui falar sobre isso, mas deturparam tudo o que ele disse.
TPM: E o que é a fé então?
Mercedes: Na minha opinião, que não é NADA no frigir dos ovos, a fé é uma vontade enorme de acreditar. Uma força enorme tentando fazer a vida dar certo e valer a pena.
TPM: Mas então, a fé é fé em que?
Mercedes: Cada um tem a fé que tem. Mas deveríamos ter fé em nós mesmos, e na vida.
As energias são um assunto cientifico. Elas regem o universo e agem sobre nós. É meio básico, eu acho...Você dá e recebe...faz o bem o bem volta, faz o mal ele volta, escolhe como vai viver. E as outras coisas da vida, sei lá porque acontecem. Existem forças na natureza e no cérebro humano. Juntas elas movem montanhas.
Mas não acho que haja alguém lá em cima controlando, cuidando e anotando nossos erros para que sejamos punidos.
TPM: Complicado...Mas e a sua revolta?
Mercedes: A minha revolta é com a Faixa de Gaza. Aquelas pessoas com uma fé enorme num deus que lhes deu essas terras, não querem sair. As outras, com todo o direito, querem sua terra de volta. Famílias sofrendo dos dois lados. Essa coisa dramática, terrorismo, guerra, tudo por causa das religiões, por causa dessa fé em algo inacessível...e fé nenhuma no ser humano. Tem espaço para todos, basta aceitar. Mas todos querem a posse de alguma coisa. É só isso.

TPM: E assim vive Mercedes Gameiro, senhoras e senhores. Pasmem. A mesma mulher cor-de-rosinha que vive apaixonada pelas pessoas, pelas palavras e pela vida, sofre escondido por entender coisas que os outros não entendem. Ou, em sua loucura, acha que vê o que os outros não vêm. E sofre por pena dos seres humanos que olham para cima a espera do que não virá, sem saber que deveriam olhar em volta e usar o que lhe foi dado: A vida e o poder de dividí-la e amá-la.

Em minha conversa com ela, ela disse que seu interesse pelas religiões, pelas escrituras, manuscritos do mar morto, evangelhos apócrifos etc, começou com essa curiosidade sobre o fim dos tempos. Hoje ela não acredita que haverá um fim. Não acredita na igreja católica. Não acredita em quase nada além da força da oração, da vontade e do amor pela vida e pelo próximo. E mais do que tudo, não acredita que seja possível ver a humanidade vivendo em paz. Porque a natureza humana não permite. Porque o povo que foi colocado na terra não perde o gene de caçador, de conquistador, de predador.
Mas ela gostaria sim de acreditar...

Doeria menos se pudesse não ligar a televisão e ver pobres humanos lutando pelo que não faz sentido, explodindo inocentes, derrubando prédios, guerreando por razões que não questionaram. Sendo comandados. Esquecendo que aquele que vai morrer é um seu igual.
Seria mais fácil se o gene do predador fosse trocado pelo gene do que divide, adiciona, multiplica.
Mas para isso, seria preciso um novo big bang.



Meu trem por Neverland

20 Agosto 2005Foto: Trem do Parque Nacional da Terra do Fogo, by Mercedes Gameiro.

Cabeça vazia, preguiça de escrever. Já conheço esses sintomas...
É a hora em que empaco na vida e não sei muito bem pra onde caminhar.
Descobri que a vida é como uma grande estação de trem. Muita gente chegando e saindo, algumas apenas sentadas no banco esperando alguma coisa que não vem. Muitos trilhos com direções misteriosas...impossível saber para onde eles vão. Dias de chuva, manhãs de neblina, tardes de sol, noites quietas.
A-mene-mene-moo e você escolhe um trem para entrar. Teoricamente ele vai para onde você quer. Mas de repente há uma intercessão e o maquinista vem perguntar pra que lado ele segue. "Ai! Ta perguntando pra mim, seu maquinista? Eu queria que o senhor me levasse..."
Não...não é bem assim que funciona. O maquinista foi contratado para levar, não para decidir!
Me dá um cigarro. Preciso pensar...
"Com o que que pensa, Seu Maquinista? Com a cabeça ou com o coração?"
Meu coração está cheio. Repleto do amor dos meus. Repleto do amor de pessoas que têm me falado coisas lindas sobre o que eu faço e o que eu escrevo. Isso enche a minha alma de alegria. Enche meus vagões de bagagens com destinatários certos. Meu coração está cheio do amor dos meus amigos que não se cansam de ser amigos. Cheio do amor da minha família que não se cansa de me fazer imprescindível e insubstituível. Meu coração está cheio do amor dos meu eleitos. Deixa eu ver:...um eleito...dois eleitos...não! Um eleito: e meu coração está cheio de amor eleito. Repleto. Pleno. Acho que nunca tanto.
Então vou pensar com a cabeça...Mas ela não sabe fazer nada sozinha, essa tansa! Serve para resolver assuntos dos outros, mas na hora de resolver os meus, fica olhando para longe, se faz de surda, e meu coraçãozinho tem que entrar em ação.
- Vamos para lá, Seu maquinista. A todo vapor, eu quero que siga o trilho que me leva a Neverland!
- Mas dona! A senhora nunca saiu de Neverland!
Oh shit...o maquinista tem razão.
- Posso ficar parada então?
- Não senhora...a ordem é seguir em frente.
- Podemos simplesmente seguir por Neverland?
- Seu desejo é uma ordem, dona...
E lá vai o meu trenzinho, carregado do amor que me impulsiona, conhecer e decorar os caminhos que inventei. Encontro Unicórnios e elfos, fadas e monstros, montanhas mágicas e lagos encantados...e me delicio na paisagem e nas surpresas que me reserva. Durmo durante o percurso e sou acordada por sorrisos lindos que me levam a sonhar de novo, a viajar flutuando, a sentir a melhor das saudades, a ter certeza do que vejo e conhecer de cor cada mala, cada caixa, cada envelope no bagageiro do meu trem.
Acho que eu sou feliz...
*Que coisa mais cor-de-rosinha eu estou hoje. Mais cinco minutos e vou mandar scraps com desenho no orkut! (hahha! NEVER!)
Bom dia, meus amores, meus amigos e meus eleitos.
Good morning, sunshine.

Blank!

25 Agosto 2005Um dia cor-de-rosa, outro Darth Vader.
Hoje estou Darth Vader.
Ele e todo o impérido do mal habitam meu pobre serzinho esta noite! Mal humor. Dúvidas sobre mim mesma. Dúvidas sobre meus posicionamentos. Dúvidas.
TPM? Sou desorganizada demais pra saber se é isso.
Não lembro nem em que ano casei a primeira vez. Foi em Setembro. dia 3...entre 81 e 84.
Imagina...agora lembrei: 83! O Diogo nasceu exatamente no dia em que eu fazia nove meses de casada e ninguém conseguiu descobrir se eu casei grávida ou não. Nem eu. Deu pra ver que eu já era atrapalhada aos 22 anos?
Não lembro o ano de nada. Minha vida tem ZERO ordem cronológica e juro que não me faz falta. A não ser que um dia a polícia bata na minha porta e pergunte onde eu estava na noite de 24 de agosto de 1985. "Ai! Como assim? Como é que eu vou saber? Só sei que não fui eu!"
Não lembro se trabalhei primeiro num lugar ou em outro. Não lembro quem namorei antes. Quantos anos eu tinha. Outro dia me perguntaram como foi o meu primeiro beijo e eu não consegui lembrar. Nem com quem. Lembro do primeiro beijo que eu me lembro...o primeiro que foi importante. Mas o primeiro de todos se perdeu na história.
Simplesmente não sei nada. Só sei que vivi os anos 70...depois os 80...depois os 90...e o terceiro milênio chegou...o mundo nem acabou e eu ainda estou aqui - alive and kicking - e ainda bagunço tudo o tempo todo.
"Cadê meu passaporte?" Ai! "E o histórico escolar da sua filha?" Credo! "O que você jantou ontem?" Como assim?
Lembro das pessoas. Mas não de todas.
Outro dia minha amiga me contou uma história que eu adorei, me matei de rir, achei ótima...perguntei pra ela quem era a louca. Resposta: "VOCÊ!" E eu não lembro. Não consigo saber quem era o namorado que fez aquele absurdo que ela me contou. Fiquei preocupada... Minhas amigas antigas têm histórias minhas que eu perdi. Vai ver é por isso que eu conto tudo pra todo mundo. Por isso eu escrevo. Pra não perder. Ainda bem que eu escrevo...
Mas que pessoa estranha sou eu?...O pior é que eu chego na vida das pessoas fazendo uma balbúrdia, com banda de música, fogos de artifício, fotógrafos e a bola de demolição. Derrubo tudo!
O caso mais grave de que me lembro, foi um taxi que eu peguei. Ha! Eu pegava milhares de taxis todos os dias. Ia trabalhar de taxi...vivia num taxi. Foi nessa época que fiquei mundialmente famosa como "A RAINHA DO RADIOTAXI". Isso porque todos os motoristas de taxi de uma determinada central me conheciam, e faziam o favor de perguntar para qualquer publicitário ou qualquer um que desse o endereço da agência onde eu trabalhava, se conhecia a Mercedes. (Ah! que mico!) Em caso positivo, contavam a história da minha vida baseada em trajetos.
Então peguei um taxi para ir da agência ao Aeroporto Afonso Pena. O motorista já havia me levado muitas vezes, sabia meu nome, começou a me contar a vida e dizer que construía casas. Trabalhava para ganhar mais dinheiro para construir mais casas. Vendia, alugava... e construía mais casas. A mulher dele reclamava a ausência, os filhos pequenos nunca viam o pai. Mas ele tinha que trabalhar muito enquanto era jovem.
Lá vai a Mercedes abrir o bocão!
Eu disse o que pensava: Isso não valia a pena. Quando ele estivesse já muito rico os filhos seriam grandes. A mulher já estaria chata e cansada de viver sozinha. Talvez fosse melhor diminuir o ritmo e tentar aproveitar os melhores anos da familia. Se um deles morresse no meio desse processo, ele não teria convivido o bastante e lamentaria.
Ok. Chegamos ao Aeroporto. Até breve.
Que tipo de pessoa diz uma coisa dessas?
Anos mais tarde, chamei um taxi e o motorista aquele veio me buscar. Indiquei o destino. No meio do caminho ele encostou o carro, desligou o taxímetro, virou para trás e disse: "Nós tivemos uma conversa um dia que mudou a minha vida...Preciso te agradecer."
Forte! Bola de demolição. BLAM!
Ainda bem que deu certo.
O probelma é: será justo eu passar demolindo e depois não me lembrar? Será que eu usei a grande bola no namorado aquele que esqueci completamente? Tudo bem que pela história que eu fiquei sabendo, ele era despresível, esquecível, apagável, deletável. Mas será que me lembro das pessoas pra quem eu fui importante?
Minha amiga de infância e madrasta do meu filho me contou que roubamos uma prova na 8ª série. "Não lembrava". Pior. Eu, Mercedes, fiquei debruçada na mesa do secretário da escola que babava por mim, distraindo o moço com a voz mais mole..."Uh???" ...enquanto ela e outro menino pegavam a prova.
Como assim? Não lembro nem do secretário apaixonado nem dá atitude super Erin Brokovich:
- "How did you get it?"
- "They call it boobs!"
Não lembro!
Partes da minha vida são um grande black out. Isso me deixa de mal humor. Queria lembrar tudo. Queria poder discutir com uma pessoa quando ela diz: "Eu nunca te disse isso!"
Disse! Eu sei! Mas não sei quando, nem posso te precisar como!
" Quando foi que eu te prometi isso?"
Imagina...não faz pergunta difícil...
Talvez eu viva em paz porque não posso guardar rancor. A frase já diz "GUARDAR" rancor. Impossível!
Então, pessoas...confessei um dos meus defeitos mais angustiantes. Eu esqueço! Esqueço de pagar contas. Esqueço reunião de colégio. Esqueço as compras na loja. Esqueço a chave do carro. Esqueço nome de cabeleireiro. Esqueço de comprar margarina. Esqueço o que queria falar. Esqueço de ligar pras pessoas. Esqueço aniversário. Esqueço letra de música. Esqueço pra quem liguei se demorar pra atender. Esqueço o ano nas datas. Esqueço trechos inteiros da minha história.

Bom dia!

Sentada na Janela

29 Agosto 2005De onde vem o amor? Como ele nasce? Surge de onde? Como perdura?
A mim parece que o amor nasce na boca do estômago. Ou é lá que se manifesta a primeira vez. A boca do estômago e a garganta são os pontos físicos da saudade, da ansiedade e muitas vezes do amor que começa sem pedir licença.
Me parece também que o amor está há poucos centímetros da paixão, sendo um a melhor sensação de conforto e tranqüilidade, como o dia seguinte à conquista de um grande feito. O outro a mais esfuziante, incômoda e dolorida sensação que um ser humano pode experimentar.
Prêmio. É como se o amor fosse um prêmio pela existência pura e simples. Amor de mãe, amor de filho, amor de amante, amor de irmão, amor de amigo, amor. Milhares são as formas que o amor toma para premiar.
A única coisa que não entendo, e que vem associada a ele - parte do pacote fechado - é o ciúme. Este nasce nos olhos e cresce na boca do estômago! Torna-se um grande mostro que cega e tira o chão. Traz a maior das tristezas. Lágrimas. Raiva. É como ser deixada de lado para sempre, pequena, largada num planeta escuro, trocada por qualquer coisa...Mesmo que seja qualquer coisa importante. Sim! O ciúme que dói na boca do estômago é dramático, ou não seria ciúme. Começa nos olhos, transforma-se num soco forte no estômago e manda sinais de dor ao cérebro- se é que o cérebro pode ter alguma coisa a ver com um sentimento tão irracional. Não há lógica no ciúme. Não há lógica no amor.
Por isso associa-se amor a coisas místicas. Por isso falamos em alma, almas gêmeas, destino, coisas irreais. Porque tudo o que não explicamos torna-se religião. O amor chega em forma de algo divino, porque não é explicável. Não é palpável. Culpa-se o destino porque não é controlável. Não se escolhe a quem amar. Não se escolhe um filho, um irmão, uma mãe, não se escolhe um amor.
Eu tenho uma coisa que cresce aqui, na boca do estômago. Um amor criança, menino, que ainda não cresceu. Sim... Foi semeado sem autorização, como todos os outros. Não...Também não foi escolhido. Apenas "olha! Parece um pé de amor nascendo aqui!".
Não sei o que será, porque na há como identificar um broto. É como um filho que cresce...Você só sabe o sexo e não sabe o futuro. Será médico, engenheiro, irresponsável, artista, poeta, drogado ou louco? Não se sabe ainda na muda. Só mais tarde, se amadurecer. Não adianta perguntar aos búzios, às cartas, ao Tarot: só o Louco e a Imperatriz aparecerão - eu e o destino.
Não sei se é grande, duradouro, passageiro, singelo, impuro.
Pode ser desprendido como amor de mãe, que assiste a vida do outro e ajuda suas asas a se abrirem para ganhar o mundo. Ou amor de irmão, que dá o ombro, doa um rim, mora longe, mas ainda ama e quer cunhada e sobrinhos. Pode ser amor de amante: possessivo, que cerca e cerceia e quer e cuida e vigia. Ou amor de amigo, solto, livre, que a felicidade do outro basta por si só. Ou amor de gêmeo que precisa, que não vive sem, que sente a dor e a alegria, que não separa e não maltrata. Não sei se é. É amor ainda feto.
Assim, com paciência de mãe, vou puxar minha cadeira de balanço até a janela...Vou tecer um tapete, rezar um terço, escrever um poema, acender uma vela. Vou olhar o céu, contar os dias, contar as estrelas, as luas, os meses. Vou esperar que o vento mude, que a chuva venha, que o sol retorne. Vou plantar na floreira, semear papoulas, regar as sementes, esperar as flores. Vou fazer um doce e deixar na janela.
Bom dia.

Um Comentário

30 Agosto 2005
(Para Felipe Iubel, num momento Mercedes Gameiro)


1997. Um calor maravilhoso. O Santa Ana Wind sopra as folhas secas para dentro da minha garagem. Incrível como o Santa Ana não perdoa e não tem parada. Ele sopra incessantemente as folhas, as placas, os cabelos das mulheres loiras da Califórnia, os chapéus dos velhinhos no estacionamento do shopping, os sonhos de quem passa distraído pela cidade.
O som do vento que entra por debaixo da porta me faz viajar. Lá fora, o pessegueiro está carregado de flores cor-de-rosa e a cidade funciona como um louco relógio. Os carros nunca desaparecem da freeway, os homelesses nunca desaparecem de Santa Monica Beach, as balconistas nunca se cansam de sorrir, os imigrantes nunca deixam de ser felizes.
Eu vejo na TV um comerical de carro que me diz algo para lembrar e repetir para um amigo que eu amo, anos mais tarde:

"Life is a journey. Enjoy the ride"

Mê storm. Dream storm. Brain storm.

02 Setembro 2005

Tempestade tempestade tempestade Fui dormir cedo de dor no lado direito do rosto Todo o meu lado direito parece comprometido de alguma forma é onde dói tudo o que tem que doer As costas o rosto o pé tudo acontece do lado direito Me disseram um dia que o lado esquerdo é o coração e o direito a vida prática Céus minha vida prática está uma zona então Meu coração sempre foi uma zona oras A que horas isso mudou eu não tenho nenhuma certeza Tatuei meu coração então Saí um dia de casa e fiz um olho de Orus no pulso e um pierncing no nariz Tudo do lado esquerdo Mais tarde fiz uma asa que eu detesto no tornozelo esquerdo Ano passado uma borboleta atrás da orelha esquerda em homenagem às borboletas no meu estômago Meu coração enfeitado de adornos e marcas eternas Meu lado direito só ganhou três estrelas no pé Lindas é verdade Mas estão lá só para que ele não sinta-se abandonado Não gosto mais muito de tatuagem mas confesso que ando com vontade de tatuar o nome do Senhor e Mestre Supremo das Luzes dos Sonhos Proibidos Rygan Brëivier no pulso direito mas isso é loucura
Tenho sonhado com a Drímer e o Mestre tenho inventado historias e parece que o tempo passa mais rápido agora do que jamais passou Os meus dias acabam muito rápido e eu escrevo escrevo escrevo Tenho que revisar um livro tenho que escrever minha parte do conto Será que ainda tem queijo light Acho que preciso ir ao mercado antes de viajar Se é que eu vou mesmo viajar Tenho preguiça até de comprar minha passagem mas preciso ir Só que o dia corre contra mim e eu não quero sair desse computador Aliás esse é o meu vício mais ferrenho Ainda não acredito que consegui ir me deitar cedo ontem sabendo que minha vida online estava abandonada Fiquei sem saber coisas importantes que eu não queria ficar sabendo Papai do Céu é bonzinho às vezes Mas não adiantou nada eu acabei sabendo Eu tenho essa coisa insuportável de saber tudo sempre mesmo que eu não queira Parece que as informações sentem falta de mim e dão um jeito de chegar Mas também não adianta chorar nem bater a cabeça na parede Tem coisas na vida que são como são Quer Então cala a boca e aceita assim mesmo Mercedes Não tem o que fazer Tenho que arrumar as malas se eu quero mesmo viajar O que o Claudio vai comer na minha ausência Preciso pensar nisso se eu não quiser me sentir culpada demais por viajar e deixá-lo aqui Na verdade não me sinto culpada Mas ele fica mais feliz quando se sente cuidado e assim eu posso ficar mais tranquila Detesto sair de casa quando ele está mal Detesto não ir pra Curitiba quando meu pai está mal Detesto não fazer alguma coisa quando alguém precisa de mim mas é difícil ser chinês do pratos (aquele do circo que fica balançando as varetinhas para equilibrar pilhas de patos que giram) Lá vou eu Corre pra curitiba que o prato vai cair Corre pra casa que o prato vai cair Corre para os amigos que o prato vai cair Corre pro Blog que o prato vai cair Você tem 4 livros pra ler e o prato vai cair Você tem 5 trabalhos para entregar no curso da Panamericana e já deixou os pratos caírem E os presentes de aniversário que não comprou e a conta que esqueceu de pagar E seu carro tá sem gasolina não sei se sai da garagem Me explica porque não abasteceu antes Porque está com a cabeça na lua pensando no que não existe Drímer Redinclauds e Rygan Brëiver e Barúns Meu deus maldito Barún que insiste em me rondar Vou acabar com esse bicho feio de uma vez porque nunca fui com a cara dele Nem vou deixar esse manto cinza chegar perto de mim de novo Nunca mais By the way to amando tudo isso Como eu amo meu conto scrapiano escrito a quatro lindas mãos que se adoram e vivem na sintonia mais impressionante que eu já pude imaginar É bom demais o encontro de almas Mesmo quando 26.419,83 almas são apenas duas que conseguem multiplicar palavras e se divertir com elas Adoro Adoro Adoro Aliás sou uma sortuda mesmo No decorrer da minha vida encontrei algumas almas nesta mesma sintonia só não todas almas letradas Hahaha Não não Foram almas de qualidades diferente mas todas elas vivem comigo até hoje engordando a minha rede de prata Deu pra perceber que eu não me liberto deste conto scrapiano Acho que sim Isso prova que estou feliz com ele exercitando uma parte da minha criatividade que eu achei que não existisse a capacidade de criar histórias de inventar coisas e levar adiante até que a história chegue a um fim Com isso estou conseguindo vencer pelo menos uma das minhas inúmeras preguiças Hoje estou preocupada e feliz mas a felicidade é muitas vezes maior do que a preocupação Quero parar de sentir dor Quero parar de sentir dor Quero parar de sentir dor Quero entrar naquele avião e vencer essa preguiça Será que eu esqueci mais alguma coisa Tenho esquecido tudo ultimamente Minhacabeça está na lua ou em Delírio combatendo Baruns e amando meu Mestre ai ai ai Mercedes quando será que você vai crescer Tomara que nunca chegue esse dia porque eu morro de medo que a vida fique chata Eu adoro ser essa desvairada que sou Seria muito decepcionante passar a ser uma pessoinha normal e boring para mim mesma Tudo bem os outros que me aguentem mas eu não conseguiria Well já chega de tempestade cerebral até eu estou cansada disso Não vou revisar esse texto de jeito nenhum Deus me livre ler isso tudo Hahahaha Bom dia flores do meu dia e um ótimo fim de semana porque acho que o meu será See you later alligator in a while crocodile Bye
(Homenagem a Manuel Puig que me ensinou a ler me divertindo e a Kut Vonnegut, um velho louco que me ensinou a escrever)

Primavera

08 Setembro 2005


Quarta-feira fria em Setembro, estou na sala da casa de meus pais, computador ligado, brigando com o Orkut. Ou não. Brigando com o Internet Explorer que cisma em travar quando eu tento escrever nesse lap top podre de velho que gosta de tambores e não entende minha necessidade de me comunicar pela internet.
Depois de 50 anos de casados, meus pais passam grande parte do dia sentados cada um em sua poltrona, vendo TV e conversando sem parar. Meu pai repete histórias, minha mãe escuta pacientemente e comenta cada uma delas. Relembram velhos amigos, velhos acontecimentos, contam velhas novidades. Um sempre muito interessado na opinião do outro. Seja sobre o Severino Cavalcante, seja sobre a gravidez da Sol na novela das oito. Grávida ela não vai ser deportada...Lembra daquela cantora mexicana que engravidou do policial...porque não aproveitam e deportam o Severino para os Estates definitivamente...Eles não se importam com a falta de interrogação no meu teclado e continuam trocando impressões sobre tudo.
De repente minha mãe comenta sobre a roseira no jardim. "Está linda! Tem mais de 15 botões!" Meu pai esclarece que durante os dias secos ele andou regando a roseirinha. "Água é tudo! A plantinha agradece com flores". Ao que ela responde: "É quase primavera. Na primavera não se sabe o que acontece...tudo floresce. Tudo brota. Tudo ganha força."
Ai ai ai!
Levei tanto tempo sem entender meus Setembros. Claro! É primavera! O tempo em que tudo floresce. Tudo brota e ganha força! Só eu não tinha percebido...
Minha flor favorita aparece em Setembro: flor de pêssego. A direção de arte mais impressionante da natureza. Um escuro e aveludado caule marrom repleto de pequenas e perfeitas flores cor-de-rosa desenhadas por uma criança caprichosa. Cheiro de pêssego. Cara de menina apaixonada em dia frio de sol. Nada mais romântico quando está no pé. Nada mais chique quando está no vaso. Nada mais original quando num buquê, feito presente. E veja só...ela aparece sempre quando é Setembro.
Todos os grandes presentes da minha vida chegaram em Setembro. A primeira gravidez, a segunda filha (quase em Setembro), um casamento, duas empresas, alguns ótimos empregos, todas as minhas paixões.
Setembro é marcado por cheiros maravilhosos e amores eternos. Entre primeiro e 12 de setembro me apaixonei...todas as vezes que me apaixonei. Sou casada com o homem que apareceu em Julho e eu enxerguei em Setembro. Vejo mais estrelas, sonho mais, compro mais flores, ando mais na rua, entro mais em mim mesma, sorrio mais, amo mais em Setembro.
Isso porque é Primavera - diz minha mãe - tudo ganha força na primavera.
Neste Setembro lutei contra mim numa batalha que começou em Julho mas eu tive que enfrentar quando o mês das minhas flores chegou. A mais árdua batalha contra meus olhos, minha vontade e meus desejos.
Vi novamente as flores brotando no pessegueiro. Vi novamente as painas voando sobre a cidade. Senti frio na sombra e calor no sol. Senti o cheiro do café no terraço. Esquentei minhas mãos na caneca vendo as azaléias na praça.
Sorri tanto por dentro, senti meu coração se aquecer, minha pele aquecida no sol, meus olhos encantados de novo...
É esse cheiro de primavera!
É porque não se sabe o que acontece em Setembro. Parece que tudo floresce. Tudo ganha mais força.

Beijinhos de flor-de-pêssego

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Dorothy dos Beijos

15 Setembro 2005Era uma noite qualquer de inverno. Virada de século.
Um encontro casual no portão de ferro mudou o rumo das coisas para aquela mulher que não via na vida novidade possível.
Controle remoto quebrado. Prontificou-se a abrir o portão. Parecia uma noite qualquer, mas a luz entre as folhas das árvores revelou um olhar que ainda não havia sido percebido. A força dos olhos percorreu o corpo e encontrou o estômago vazio despreparado como uma faca afiada, suja de mel e alguma bebida embriagante.
Ela parou na porta do carro. O sapo na boca da cobra. Não sabia se mexer. Não sabia desviar o olhar.
Como se o controle remoto quebrado comandasse seus gestos, aproximou-se da janela sorrindo, apertou os olhos para ver direito, não entendeu o que viria a seguir, mas sabia que era a coisa errada-certa a fazer: provou da melhor boca que jamais provaria por 10 vidas. Lembrou das bocas que beijou nas últimas 10 e lembrou da voz que ouvira em sonho: "Sente este gosto".
Em segundos, gosto de pecado na boca, ela deixou de existir para ser Dorothy. Sabe Deus de onde vinha Dorothy: se de outra vida, de outro universo, da vontade de não ser ela para poder transgredir sem culpa. Entregar-se àquele beijo e não deixá-lo acabar.
Mal sabia Dorothy. E não queria saber. Queria todos os dias mais e mais e mais beijos apaixonados, moles, molhados, lambidos, macios, hipnotizantes de faca afiada com mel e alguma droga alucinógena. Não tinha trabalho. Não tinha família. Não tinha casa. Não tinha passado. Dorothy e sua boca eram a única vida existente num universo de transgressão.
Sexo. Claro que os beijos não parariam ali. A boca de Dorothy não podia parar. Queria explorar, queria sentir o gosto do desejo e de tudo que vinha dos olhos de faca.... Queria provar do mel e da droga. Queria engolir a vida aos tragos. Queria morrer com o sabor do beijo e do sexo.
A cada dia, mais beijos e mais sexo. Não havia lugar onde seus desejos não coubessem. O mundo inteiro era o quintal da casa daqueles e suas bocas. Em cada casa havia um elevador, um banheiro, uma cozinha, uma mesa. Em cada escritório havia um hall, um tapete, uma garagem, uma sala de reuniões. Em cada jardim havia um carro, uma árvore, um muro, um banco. Em cada hotel, cada avião, cada caminho, cada parque, cada igreja.
Os beijos tornaram-se vicio. O sexo tornou-se arte. Invenções. Brinquedos. Comidas. Amarras. Fantasias. Segredos sussurrados nos ouvidos durante o trabalho. Olhares cortando salões durante solenidades. Dorothy! A mais poderosa das amantes era agora a dona da faca afiada suja de drogas alucinógenas. Vício. Vício. Vício. Testes emocionais. Resistência testada. Droga. O sexo livre de todas as barreiras ganhava uma dimensão inimaginável. Beijos. As bocas decoram o caminho. Um beijo não é mais um beijo. Dorothy rainha do sexo sabia agora usar a voz. Dona dos olhares de faca, arrancava suspiros à distância. Internet. Telefone. Olhar. Era possível fazer sexo com os olhos. Vício!
Era possível não respirar. Era possível levar à loucura com o mover de um músculo. Um sorriso. Um toque. Um suspiro ao telefone.
Dorothy morria por sexo. Matava por beijos. Roubava os olhos de faca de todos os seus afazeres. Tornava-se, o vício e a loucura de quem só queria o controle do portão.
Mas chegou o dia da guerra dos mundos de Dorothy. A loucura era grande, mas não maior que a vontade de lembrar seu nome. Dorothy partiu. O olhar de faca perdeu seu brilho. A vida voltava sem novidades.
Pobre Outra! Até hoje vaga pela vida, jurando não ter visto os olhos, não ter sentido os beijos, não saber o gosto do vício. Ainda procura em silêncio por outra boca.
O que não sabe, é que quando furou os olhos para não mais provar do beijo, o poder de ser Dorothy morreu. O encanto foi quebrado. Não haverá outro beijo. Nunca mais faca suja de mel. Nunca mais no quintal de sua casa brotará desejo...
Ficou provado que Dorothy habitava o universo paralelo de onde veio o moço do portão. Não há outros como eles. Não adiantaria buscar. Este é o definitivo, irreversível, inquestionável fim da existência de Dorothy - Rainha dos olhos de faca, dona da droga e do desejo que alucina.

Palavras

15 Setembro 2005Eu não durmo mais. Que aflição. Que aflição.
Não vejo mais o amanhecer, com cheiro de bom dia, quando as nuvens são ainda uma névoa fresca e a cor do céu é novidade.
Não vejo mais o amanhecer. Vejo o pôr da noite.
A manhã insiste em chegar quando estou me arrumando para dormir. Não estou atrasada, ela que chegou cedo.
A noite é engraçada, me diverte e me brilha os olhos de criancice e ansiedade. É a hora do riso. Hora das idéias. Hora que as histórias chegam, que as imagens surgem, que as alegrias nascem, que as palavras explodem.
Ah...as palavras! Essas têm sido minhas companheiras ultimamente. Me roubaram de tudo. Me roubaram de todos. Só não me roubaram dos amigos que usam palavras. Só desses também. Fui roubada! Estou roubada! E foram elas!
Ladras palavras.
Livros, livros, livros, palavras e eu. Em que momento resolvi tirar o atraso de uma vida de preguiça? Sinto-me com 18, 20, 25? Há! Aos dezoito li mais do que uma existência. É isso então. Encontrei a menina loira usando jeans e coragem, com tempo pra tudo, e ela me força a ler. Dentro do meu casaco verde-langanho, na madrugada gelada, estamos eu, ela, Ella, Elanor e todas as outras, caçando palavras. Colecionando períodos. Eternizando pensamentos. No dia cinza e gelado, vivemos pelos sofás. Um livro no carro, um na cabeceira, outro no banheiro e esse aqui do meu lado que revela tudo o que eu queria saber. Corre Mercedes, corre! Tira o atraso de uma vida! As palavras voltaram. A noite está com você! À noite, está com você. À noite estar com você...Mágicas palavras.
Grande Houdini me ronda mostrando essa mágica diária-noturnamente. Grande Bandini me visita desvendando o mistério da sintaxe que eu gosto. As palavras me encantam e seqüestram. Fui roubada! Fui roubada!
As palavras são putas encantadas. Andam pelas bocas e pelos becos. Criam contos de fadas ou eróticos. Passeiam pelo coração da moça e da velha trazendo os mesmos desejos. Visitam o padre e o bêbado levando os mesmos pecados. Com seus peitos desnudos e bocas vermelhas, as palavras beijam quem já não sonhava. Quem adormecia. Quem já não esperava. Por isso os poetas vão para o inferno. Malditas palavras.
Irei eu para o inferno só por não ver o dia amanhecer, mas sim a noite se pôr no meu horizonte de vocábulos? Irei eu para o inferno só por ser a amante devotada dos períodos e sorrisos? Irei. Irei para o inferno se puder levar comigo meus pensamentos noturnos. Assino este contrato. Firmo minhas palavras. Irei com elas ao inferno!
Dramáticas Palavras.

O fim do meu mundinho

A única guerra apocalíptica possível no meu mundinho de hoje seria uma batalha entre meus alteregos. Seria terrível.
Luta sangrenta. Todos tentando se sobrepor a mim. Todos tentando assumir o leme da minha cabeça e desabrochar para sempre. Eu deixaria de existir no momento em que o mais forte colocasse sua cabeça para fora dos meus pensamentos.
O que? Você está pensando que eu tenho múltiplas personalidades? Que sou esquizofrênica? Tá louco??
Eu até descofio de uns distúrbios sim. Mas não um tão grave.
Todas essas criaturas adoráveis foram criadas por mim. São personagens que criaram vida num universo paralelo. Alguns homens engraçados. Algumas mulheres especiais. Eles têm vida própria. Amores. Profissões. Objetivos claros na vida. (Que inveja!)
Tenho medo agora das minhas criaturas. Algumas estão gritando muito alto. Já fui como elas um dia, mas queria ser ainda.
Já tive ciúmes de duas das minhas mulheres, que conquistaram pessoas inatingíveis. E de repente eu paro e penso: Tonga! Elas são você! Tudo o que conquistam é conquistado por você!
17 Setembro 2005

Tudo o que realizam é realizado por você!
Mas que medo, que medo! Existem momentos em que acho que elas são muito melhores do que eu. Os sentimentos que despertam, as frases que podem pronunciar, a ousadia que podem ter. A liberdade. Elas ouvem o que ninguém diria para a tal da Mercedes: mulher forte, presa a laços inabaláveis, bla bla bla bla bla...
Todos são fruto do que eu penso, do que eu quero, do que eu gosto, da minha história de vida. Mas todos vivem momentos que eu não poderia.
Já perdi horas escrevendo uma batalha interna de Maria contra suas amigas "Um e Dois" quando elas roubaram seu príncipe. Já entrei em crise por saber que as Amigas tinham o dom da palavra que apaixona. Foi quando me descobri "Cirano de Bergerac de mim mesma"
Que comece a batalha fatal!
Eu, Mercedes Gameiro, estou pronta para a guerra!

Hoje, 44 anos de voz.

24 Setembro 2005

Meu pai ligou as nove da manhã.
A voz forte e segura de sempre, me tirou de um médio torpor de quem já acordou mas ainda não conectou os neurônios.
"Eu me lembro como se fosse hoje do dia que você nasceu...".
E foi me contando cada detalhe do parto que ele assistiu, como os outros três. Falou que eu tinha cabelo para fazer uma trança e que seu amigo foi me ver no berçário e disse que eu parecia uma criança de três meses. "Você estava na barriga da sua mãe com a mão na testa, como se já estivesse pensando."
Com sua voz de pai que conta histórias na beira da cama, ele me fez chorar com seu carinho. A voz sorridente de sempre. A voz que com qualquer palavra acaba por dizer "Calma... eu estou aqui".Porto seguro de nós todos. Chão da nossa casa. Âncora de nossas vidas.
Eu chorei. Pelo ano que passou. Por ele ainda estar lá. Por saber que tenho a felicidade da sua voz.
Hoje faz 44 anos que ele viu aquela galega cabeluda nascer. Faz menos tempo que ele me pegava pela mão e levava com ele a um bar na lagoa Rodrigo de Freitas para comer ostras. Faz menos que ele me guiou pelo corpo da Igreja. Faz menos que seus cabelos ficaram prateados. E sua voz ainda me traz o mesmo sossego.
Hoje faço 44 anos. Metade da minha vida talvez.
Aprendi com meus pais a não ter medo. A começar de novo. A olhar pela janela e sonhar. A sentar à mesa e olhar nos olhos de quem eu amo para ouvir como foi seu dia. Aprendi a querer saber. Aprendi a comer doce de leite lambendo a colher, pipoca lambendo os dedos, tomar água escondido na garrafa, dar risada. Aprendi com eles que reunião de família é engraçado. É hora de comer coisa boa, contar histórias e rir muito. Aprendi a abraçar. A cobrir meus filhos quando vou dormir. A beijá-los sempre ao chegar e ao sair, mesmo que isso aconteça vinte vezes no mesmo dia. Aprendi que o cheiro de café quer dizer "estamos juntos". Que domingo é dia de salada grande e roupa boa. Que pra estar junto não é preciso estar perto.
Aprendi a viver e a ser feliz com essas pessoas que nunca deixaram que o dinheiro parecesse importante, mesmo quando ele existia (o que era raro). Aprendi que você é o que você sabe e não o que você tem. Mas penteie o cabelo, suba no salto, levante os ombros, olhe nos olhos, aperte a mão com força, encha a boca para dizer seu nome. A dignidade e a elegância vêm de dentro. Não é preciso arrastar um par de chinelos para limpar a sua casa. Não é preciso vestir roupas rasgadas para lavar sua roupa no tanque. Não é preciso estar feia para lavar o seu banheiro. Luvas e um sorriso no rosto. O mesmo sorriso para o servente e o presidente. A mesma humildade para o gênio e o porteiro. Escutar mais do que falar, mas falar firme e em bom som.
Com eles aprendi a me relacionar e a sorrir. Vi que o tempo deixa marcas mas não leva a juventude. Vi que a velhice tira a pressa, mas não a vontade de viver.
Com a voz segura e a dignidade do meu pai e os fortíssimos alicerces da minha mãe aprendi a viver. Aos 44 anos me pego vivendo melhor do que aos 20, e com certezas maiores. Descobri que eles me prepararam para viver a longo prazo.
Hoje, faz 44 anos que meu pai me viu nascer. Eu lutava pela vida naquele momento como o vejo lutando agora. Tenho ainda a mão na cabeça, como se tudo o que tivesse a fazer na vida fosse pensar. Tenho ainda a voz tranqüila do meu pai em meus ouvidos.
Pouca coisa mudou neste furacão de mudanças que sou eu.

Furacão Me

29 Setembro 2005

"I go side to side like the wildest tides in your hurricane
And I only hide what is on my mind because I can't explain"
(Foo Fighters)


A chuva foi embora e levou o frio.
A massa de ar polar que já passou parece ter levado com ela algumas das minhas angústias e sentimentos novos.
Adoro as coisas que sinto, mas às vezes elas me cansam.
Num e-mail pra um amigo esta semana eu disse:
"As pessoas dizem que queriam ser como eu. Céus! Se elas soubessem como eu queria ter uma vida aborrecidamente estável!"
My hurricane! O turbilhão de sentimentos que me leva pra lá e pra cá percorrendo a elipse de um Katrina, um Rita, um Andrew, todos juntos. Porque eu não posso caminhar como todo mundo: um passo após o outro, sentindo o chão? Meus pés onde estarão?
A cada volta no interior do furacão vejo um novo sorriso, um novo jeito que encanta. E quero voar pra longe sem prestar atenção. Alguém me tira daqui!
É arriscado no olho do furacão. É perigoso testar a vida até sua última gota. É tentador provar da vida até seu mais profundo sabor. E lá, no olho do furacão estou eu. Me, Myself, and I. E as mulheres de Mercedes. E as almas que me levam.
A vontade e o impulso. Um para cada lado. Vontade de fazer tudo o que preciso. Impulso de não fazer nada. Vontade de ser coerente. Impulso de transgredir. Vontade de resolver tudo. Impulso de brincar com a vida. Vontade de não enxergar. Impulso de devorar a vida.

Alguém me interna!...

A Noite dos Relógios sem Ponteiros

20 Setembro 2005Estava muito frio em alguns lugares e um calor danado em outros. O Furacão Katrina tinha acabado de devastar New Orleans e o Rita veio terminar o trabalho. O blues havia sido levado para sempre e só o Rock restaria até o final dos tempos.
Este seria também o gosto da vida dela: furacão, nada de blues a não ser no azul insistente em seus sonhos, rock 'n roll.
Desceu do táxi morrendo de medo e fez o check in com cara de quem sabe o que está fazendo. Grande executiva segura de si, tremendo nas bases como uma menina em seu uniforme de colégio. "Sensação de matar aula". Entrou no elevador e contou os andares. Seu sorriso era só um espasmo em conseqüência do frio no estômago e do arrepio na coluna. Entrou no apartamento, ligou o som. "Alguma coisa tem que me fazer relaxar!" Jogou a mala na cama, foi para o banheiro, olhou-se no espelho. "Tem certeza do que está fazendo?" Um sorriso feliz responde à pergunta.
A tarde passou sem pressa enquanto o estômago dela revirava-se com o bater de asas de borboletas enlouquecidas. Quanto mais o ponteiro do relógio se movia, mais borboletas.
No início da noite o sossego do estômago confuso foi quebrado pelo toque do celular.
- Oi. Cadê você? (...) Como assim na porta? Eu pensei que você ainda estivesse no trabalho...
Caminhava em direção à porta enquanto falava no celular. Nunca três metros foram uma distância tão enorme para se percorrer.
- ...Eu nem me arrumei, saí do banho agora e não sei com que cara vou abrir a porta pra você enrolada...
Abriu a porta e viu dois olhos parados ali.
-...na...Oi.
Dois sorrisos. Dois telefones desligando. Quatro olhos se encarando. Quatro braços saudosos. Duas bocas. Três mil oitocentas e quarenta e cinco borboletas ensandecidas.
O silêncio que parecia durar horas foi interrompido pela voz que embalava os sonhos dela há semanas.
- A gente vai ficar na porta?
Mais sorrisos silenciosos. Borboletas imóveis. Um passo para trás. Um movimento de cabeça indicando a direção do quarto. Quatro olhos fixos. Porta se fechando. Paralisia.
- Me dá um abraço?
Ela não conseguia falar e não precisava. Era claro o sim por detrás do olhar. Todos os sins eram claros por detrás do sorriso. O mundo inteiro era um grande sim esperando que as borboletas pudessem finalmente voar pelo apartamento que, por instantes, nem existia. O universo dos sins estava estático, esperando por aquele abraço.
Ainda quase imóvel, sorriso silencioso, sim eminente, ela deu um passo em direção a ele, encaixou a cabeça entre seu ombro e seu pescoço e sentiu todos os milímetros de sim do seu corpo serem abraçados pouco a pouco. Nesse abraço lento, longo, colado, todos os relógios perderam seus ponteiros.
Ele era diferente e bonito. Tinha a mais perfeita de todas as bocas ou sou eu que já estou enxergando como ela. Ela era bonita embora não se achasse muito especial. "Uma beleza normal, que já foi mais bela." Mas os dois juntos eram só beleza. Sua história era mais intensa do que as histórias que são só histórias. Eram um casal antes mesmo de existirem. Eram apaixonados muito antes de se conhecerem. Uma brincadeira que virou um equívoco, que virou um romance, que virou quase uma música.
Beijos apaixonados. Borboletas paralizadas. Universo dos sins.
Assim passou a noite dos relógios sem ponteiros. O tempo não existia, o apartamento não existia. Só os dois e sua história bela, com seus sussurros e desejos belos, com seus corpos e suas peles belas, com suas línguas e suas bocas belas, com seus gostos e seus sorrisos belos. O melhor de todos os filmes. A mais perfeita fotografia. Tudo se desenhando entre braços e pernas e ventres e beijos. Quatro olhos, quatro mãos e dois corpos registrando como câmeras todo novo movimento naquela dança de sins.
O sol já queria entrar pela janela.
Em alguns lugares fazia frio, em outros um calor danado. Furacões pelo mundo afora, nada de blues. O rock dormia na cama com ela, o sono gostoso dos corpos encaixados. Acordes perfeitos. Sorrisos silenciosos. Já era quase hora de se despedirem. Mais beijos apaixonados. Mais sins. Todos os sins de todas as galáxias de todos os universos de Sim.
Olhos se afastando. Táxi se afastando. A linha que unia os dois vinha de um novelo interminável de vontades e desejos, mas não impediu que ela, pela primeira vez, adicionasse um pouco de tristeza à sua história bela.
Uma mensagem no celular. Um sorriso silencioso. Um nó na garganta.

Saudade do Colégio

30 setembro 2005Vamos pensar nos tempos de colégio com olhos de adultos limpinhos.
Hoje tomamos banho todos os dias. Às vezes até dois. Escovamos os dentes direitinho sem ninguém mandar. Lavamos os ouvidos, os pés, as partes íntimas. Nós mulheres fazemos depilação, usamos hidratantes (os homens deviam também... mas quem sou eu pra dar palpite). Nossos hidratantes são perfumados. Não saímos de casa sem perfume, lavamos nossas roupas, cuidamos da aparência.
Ta. Alguns de nós!
E no tempo do colégio?
Imagine-se numa sala de aula com outras 28 pessoas de 12 anos. Hormônios desvairados pelo corpo. Cheiros, mudanças, absorventes. Ai!
Tente lembrar. Puxe pela memória!
Na minha classe tinha uma menina que tinha um problema seriíssimo de oleosidade no cabelo. Ela dizia que era hormonal. Mas ela nem sabia o que era hormônio! Acho que ela não lavava mesmo a cabeça. Sentava-se bem na minha frente, com aquele cabelo marrom (não era castanho) dividido em tiras finas. Assim...Tufos grudadinhos. Durante a aula ela separava os fios que estavam grudados de cada tufinho. Eca! Que nojo. Inesquecível.
Daí comecei a lembrar de quantos colegas de turma gastavam toneladas de desodorante e mesmo assim fediam solenemente! Tinha uma que era muito minha amiga que quando levantava o dedo para chamar a professora, nós todos à sua volta quase morríamos. E ela tinha as unhas dos pés enormes. E cheirava a gordura o tempo todo. Voltando ao desodorante, não sei não. Acho que muitos nem usavam mesmo. Sabe como é né? Acorda atrasado, toma café correndo. Quem vai lembrar do desodorante que é um hábito ainda recente aos 12 anos?
Escola é um lugar promíscuo.
É aonde meninas vão ao banheiro de porta aberta e em trio para poder continuar a conversa com as amigas. Empilham-se na hora do recreio para conversar, uma penteando o cabelo suado de ginástica da outra. Sem tomar banho nem ontem nem hoje, formam duplas na educação física suando em cima do suor dormido, e compartilhando cheiros incríveis com o parceiro. "Todas tirem os sapatos e sentem de frente para a sua dupla".Que professora louca!! Ela tem noção do que está pedindo?
E mais. Muito mais. "Dá um gole da sua coca?" "Dá uma mordida da sua maçã?" "Divide um x-salada comigo?" Tudo isso com uma escovação de dentes duvidosa que aconteceu ontem, depois do almoço, porque a mãe brigou!
Espinhas. Milhares de espinhas. Mesmo assim a gente achava aquele garoto da 7ª B um gatinho: pernas enormes, braços até a canela, magro que era um vara-pau, óculos e uma couve-flor na pele! Quase um choquito! E a gente dava oi pra ele no recreio com dois beijinhos na couve-flor e saia se achando!
Eca! E os meninos entrando na classe depois do futebol? Cabelo molhado grudado na cabeça, camiseta podre, cheiro de galinheiro com maracujá, cara vermelha e mão grudenta. Inverno em Curitiba. Sala fechada e todos convivendo numa harmoniosa troca de odores e fluidos corporais. Que lindo!
Não é pra menos que é na escola que as epidemias se espalham. Piolho? Quem não pegou piolho? Eu. Mas só porque eles não gostam de mim. Porque Setembro é mês de piolho na escola pública e na escola de elite. Não tem como escapar! Todo mundo mente! Se você nunca teve piolho, a sua prima teve, e o seu colega de classe também. Até a professora teve piolho!
Que bom é ser grande e ter amigos limpinhos.
Quem tem saudade dos tempos de colégio?

Eu, João, James e Liliput.

04 Outubro 2005
(foto by Mg - Monstro mega trash de Sagatiba in action)

Eu não assisti James and the Giant Peach, mas tenho muita aflição quando pronuncio isso.
Lembro do James em cima daquele pêssego gigante. Nossa! É demais pra ele! O que alguém tão pequeno quer com o pêssego tão grande?
A mesma aflição que tenho quando vejo o João subindo pelo pé de feijão, tão alto, tão alto, vendo sua casa minúscula lá em baixo e depois se deparando com o fenomenal castelo do gigante. História confusa pra mim, que até hoje não sei direito o que o João foi fazer lá. Lembro que ele tinha alguma coisa pra resgatar e conseguiu. Mas o que importa? Importa que João encarou o gigante e se deu bem, mesmo com todos os sustos.
E Liliput é o contrário disso tudo. A linda e pacata cidade dos pequenos é invadida por Gulliver. Pobre Gulliver rende-se aos bravos pequeninos e tudo acaba bem.
Coisas enormes para pequenas criaturas. Sonhos gigantes para pequenas mentes. Passos gigantes para pequenas pernas. Perdas gigantes para pequenos corações. Meia volta sinto-me como um João James de Liliput. Dou um grande passo com pernas que sinto que não vão alcançar o outro lado do rio. Por milagre, ou por treinamento, elas alcançam e eu me surpreendo derrotando Gulliver. Mas mesmo assim, a ansiedade e o medo antes de tentar são maiores que o Gigante do castelo. Outras vezes estou feliz em Liliput e sinto a terra tremer com os passos que se aproximam! Tremo de medo de enfrentá-lo, mas não há como escapar. Preciso de cordas e estacas. Mais cordas, mais estacas. Preciso render o Gigante que invade a minha vidinha pacata e esperar que ele acorde, para que eu diga a ele que é prisioneiro da maior grande mulher do universo de Mercedes!
Parece que disso é feita a vida: Invasões e gigantes. Infinitos pés de feijão para escalar e castelos assombrosos para conquistar. A chave é sempre maior do que o corpo consegue carregar, mas com jeito e inteligência acha-se um jeito de abrir o cadeado que trancava o baú onde o gigante guarda o que é para ser regatado.
Faço loucuras de contos de fadas. Sonho com gigantes rendidos e janelas por onde Peter Pan vai chegar. Às vezes subo no meu cavalo branco e percorro estradas de nuvens para beijar meu amado adormecido, conquistar territórios, lutar batalhas contra moinhos de vento, vencer cyclops e outros titãs. Às vezes sou Zeus, Diana, Afrodite, Cinderela, Lady Marion, Morgana, Lancelot. Quase sempre Julieta. Mas sempre vencendo gigantes. Devorando o giant peach.

Bom dia, estrelas do meu dia.

Jump off a cliff

8 Outubro 2005

Ah...Estou revoltada!
Não vou escrever nada que vocês entendam. Mas eu preciso escrever sim!
Preciso gritar, gritar, gritar, gritar!
Meu Deus! Quem é essa louca? Quem é Mercedes? Quem é essa desvairada? Entertainer no gigantesco palco, onde todos assistem e aplaudem suspirando: "Ah...como eu queria ser assim..." enquanto eu corro pra cochia e troco de roupa para encarnar um novo personagem que vai se atirar de mais um abismo para deleite de todos?
Meu amigo Derek diria: Jump off a cliff, Mercy!
Yeah, yeah...aqui vou eu de novo...Pular deste penhasco cansativo em busca de sei lá o que.
Chego lá em baixo e só encontro a mim mesma. Sempre. Sentadinha, olhando com cara de tédio e dizendo:
- Oi. Você de novo? Senta aí e toma um café comigo. Então? Achou?
- Não, droga. Não achei. Acho que vou parar de procurar. Os arranhões da queda agora aparecem. Antigamente eu não me arranhava. Agora acho que já não resisto tanto. Talvez esteja cansada. Tem esparadrapo?
- Escrevi uma música, quer ouvir?
- Não.
- "You should be my dream, My relief and my shelter!"
- Para. Não quero ouvir suas músicas idiotas.
- "Your words? Where are all your words? Did you swallow them not to give me? Did you throw them up after drinking?"
- Eca?quem vomitou as palavras?
- Você sabe! Pois é...palavras jogadas fora. De novo. Senta aí. Toma um expresso.
- Não me fala em expresso! Não quero café nenhum. To arranhada.
- Relaxa. Você sabe como tudo acaba. Não sei que drama é esse agora.
- Cansei. São páginas e páginas que eu jogo fora. São dias e dias e dias da mais doce ilusão, versus a consciência de que tudo acaba num livro medíocre. Nem Sidney Sheldon e Danielle Steel (eca!) seriam capazes de uma historinha tão meia boca!
- Existe a história maior. Porque você não se concentra nela?
- Ah...porque...sei lá porque! Porque ela está resolvida, sem desafios, ganha, vencida.
- Mas não é isso que você procura? A história que acaba bem, se resolve, é vencida?
- Porque você não cala a boca e toma um café?
- Vai voltar lá pra cima? Eu te espero aqui. Daqui a pouco você volta. Toma um café.
- Não volto não. Não quero voltar. Você é entediante e este penhasco é velho demais.
- Porque não volta pelo elevador da próxima vez?
- Nem sabia que existia um.
- Hm...Senta aí, Mercedes. Toma um café.
- Ta. Me dá. Mas sem chantilly.
- Essas histórias são todas iguais. Você, dialogando com você mesma, escolhendo as melhores palavras para escutar, porque você precisa. Você camufla tudo inventando a história que você quer viver. Quando o cenário está pronto, lá vem você...Voando penhasco abaixo. Flutuando num conto de faz de conta que você vive sozinha. Mas você sabe o que vai encontrar.
- Claro que sei. Quando acordo do tombo estou sozinha com você. Mais um café.
- E o que você vai fazer agora? Vai guardar as palavras?
- Vou torná-las viáveis.
- Há! Chega Mercedes!
- Não é possível que não seja viável. Não é possível que tenha funcionado uma vez só.
- Mas você se lembra o esforço que você fez para funcionar? Lembra de quantas vezes esteve aqui sangrando inteira durante aquele período? Lembra como acabou?
- Lembro. Eu sei! Mas valeu a pena demais. Eu estava esfolada e feliz. Meus olhos brilhavam, lembra?
- Lembro. Clube da luta. Quanto mais você se machucava, mais seus olhos brilhavam.
- Não exagera!
- Não é exagero. Você tinha que se ver. O que vai fazer agora então?
- Vou subir lá. Mas não volto mais aqui.
- Guardar as palavras?
- Talvez. Se eu conseguir vou jogar fora meu istoriquétier.
- Isso não!
- Isso sim. É o único jeito de parar de pular aqui. Cada vez que abro o istoriquétier tenho vontade de me atirar. Faço de conta que não é um sonho e me jogo como se fosse voar para sempre. Não quero mais.
- Pensa melhor, Mercedes. Dentro do istoriquétier pode ter ainda alguma coisa pra você.
- O que? Mais um café?

Lá se foi Mercedes, penhasco acima. Pela última vez?
- Espero.
Bom fim de semana. Tomara que você tenha conseguido ler até aqui.
Beijos

Hoje

11 Outubro 2005
hoje é dia 10.
hoje é dia de aula.
dia de Natasha em casa.
dia e pagar contas.
dia de me ocupar.
dia de ver filme no sofá.
dia de comer feijão com arroz.
dia de sol lá fora.
dia de treino pesado.
dia de organizar papéis.
dia de ler o que passou.
dia de rever.
dia de saber que estou errada.
dia de dirigir na marginal.
dia de ver o por do sol.
dia de gravar CD.
dia de cantar no banho.
dia de beijar minha filha.
dia de telefonar.
dia de passar no banco.
dia de me olhar no espelho.
dia de lavar o cabelo.
dia de tirar o boné.
dia de subir no salto.
dia de inventar desculpa.
dia de arrumar as compras.
dia de bloquear. (ha!)
dia de encarar o dia.
dia de parar de ouvir foo fighters.
dia de trocar o disco.
dia de fazer isso MESMO.
dia de começar de novo.
dia de voltar pros eixos.
dia de encarar o dia.
bom dia.