quinta-feira, 23 de novembro de 2006

A Noite dos Relógios sem Ponteiros

20 Setembro 2005Estava muito frio em alguns lugares e um calor danado em outros. O Furacão Katrina tinha acabado de devastar New Orleans e o Rita veio terminar o trabalho. O blues havia sido levado para sempre e só o Rock restaria até o final dos tempos.
Este seria também o gosto da vida dela: furacão, nada de blues a não ser no azul insistente em seus sonhos, rock 'n roll.
Desceu do táxi morrendo de medo e fez o check in com cara de quem sabe o que está fazendo. Grande executiva segura de si, tremendo nas bases como uma menina em seu uniforme de colégio. "Sensação de matar aula". Entrou no elevador e contou os andares. Seu sorriso era só um espasmo em conseqüência do frio no estômago e do arrepio na coluna. Entrou no apartamento, ligou o som. "Alguma coisa tem que me fazer relaxar!" Jogou a mala na cama, foi para o banheiro, olhou-se no espelho. "Tem certeza do que está fazendo?" Um sorriso feliz responde à pergunta.
A tarde passou sem pressa enquanto o estômago dela revirava-se com o bater de asas de borboletas enlouquecidas. Quanto mais o ponteiro do relógio se movia, mais borboletas.
No início da noite o sossego do estômago confuso foi quebrado pelo toque do celular.
- Oi. Cadê você? (...) Como assim na porta? Eu pensei que você ainda estivesse no trabalho...
Caminhava em direção à porta enquanto falava no celular. Nunca três metros foram uma distância tão enorme para se percorrer.
- ...Eu nem me arrumei, saí do banho agora e não sei com que cara vou abrir a porta pra você enrolada...
Abriu a porta e viu dois olhos parados ali.
-...na...Oi.
Dois sorrisos. Dois telefones desligando. Quatro olhos se encarando. Quatro braços saudosos. Duas bocas. Três mil oitocentas e quarenta e cinco borboletas ensandecidas.
O silêncio que parecia durar horas foi interrompido pela voz que embalava os sonhos dela há semanas.
- A gente vai ficar na porta?
Mais sorrisos silenciosos. Borboletas imóveis. Um passo para trás. Um movimento de cabeça indicando a direção do quarto. Quatro olhos fixos. Porta se fechando. Paralisia.
- Me dá um abraço?
Ela não conseguia falar e não precisava. Era claro o sim por detrás do olhar. Todos os sins eram claros por detrás do sorriso. O mundo inteiro era um grande sim esperando que as borboletas pudessem finalmente voar pelo apartamento que, por instantes, nem existia. O universo dos sins estava estático, esperando por aquele abraço.
Ainda quase imóvel, sorriso silencioso, sim eminente, ela deu um passo em direção a ele, encaixou a cabeça entre seu ombro e seu pescoço e sentiu todos os milímetros de sim do seu corpo serem abraçados pouco a pouco. Nesse abraço lento, longo, colado, todos os relógios perderam seus ponteiros.
Ele era diferente e bonito. Tinha a mais perfeita de todas as bocas ou sou eu que já estou enxergando como ela. Ela era bonita embora não se achasse muito especial. "Uma beleza normal, que já foi mais bela." Mas os dois juntos eram só beleza. Sua história era mais intensa do que as histórias que são só histórias. Eram um casal antes mesmo de existirem. Eram apaixonados muito antes de se conhecerem. Uma brincadeira que virou um equívoco, que virou um romance, que virou quase uma música.
Beijos apaixonados. Borboletas paralizadas. Universo dos sins.
Assim passou a noite dos relógios sem ponteiros. O tempo não existia, o apartamento não existia. Só os dois e sua história bela, com seus sussurros e desejos belos, com seus corpos e suas peles belas, com suas línguas e suas bocas belas, com seus gostos e seus sorrisos belos. O melhor de todos os filmes. A mais perfeita fotografia. Tudo se desenhando entre braços e pernas e ventres e beijos. Quatro olhos, quatro mãos e dois corpos registrando como câmeras todo novo movimento naquela dança de sins.
O sol já queria entrar pela janela.
Em alguns lugares fazia frio, em outros um calor danado. Furacões pelo mundo afora, nada de blues. O rock dormia na cama com ela, o sono gostoso dos corpos encaixados. Acordes perfeitos. Sorrisos silenciosos. Já era quase hora de se despedirem. Mais beijos apaixonados. Mais sins. Todos os sins de todas as galáxias de todos os universos de Sim.
Olhos se afastando. Táxi se afastando. A linha que unia os dois vinha de um novelo interminável de vontades e desejos, mas não impediu que ela, pela primeira vez, adicionasse um pouco de tristeza à sua história bela.
Uma mensagem no celular. Um sorriso silencioso. Um nó na garganta.

7 comentários:

Anônimo disse...

Lindooooooooo!!!!
Uma bela história de amor!!!
Beijos!!!

Marilia Lopes 20.09.2005

Anônimo disse...

lendo esse texto me lembrei de um dos filmes que mais amo "Cidade dos Anjos" o modo como vc descreve o frio na barriga...LINDO...

Maira 20.09.2005

Anônimo disse...

GENIAL!!!!!!!!

Mais uma vez vc consegiu exprimir sensações que algumas pessoas já sentiram e que outras buscam esperançosas sentir algum dia.
Quando libertamos as borboletas do nosso inconsciente, elas assaltam a nossa emoção e roubam a nossa tranquilidade!!!

Paola Zadra 30.09.2005

Anônimo disse...

Uau!
Bacanérrimo!!!!!!!!!!

Rafaela Pedro 30.09.2005

Anônimo disse...

Bem mais blue, bem nenos rock, suaves as borboletas. Belo texto.
Ah! Gostei da nova foto.
Bom final de semana

Luiz Roberto 30.09.2005

Anônimo disse...

Acredito que por experiências passadas me senti na sua história... E como eu quis que ela, em algum momento, se tornasse realidade de novo na minha vida...
Tia, linda a nova foto!
bjinhos

Anne 01.10.2005

Anônimo disse...

Lindo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!HAUHAhhau

www.n.moises.blog.uol.com.br

Nancy Moisés 17.11.2005